sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Memórias - (Texto do Especialista Fitas Custódio)

12 de Janeiro de 1960.

Neste dia aterrei na BA4 onde iria permanecer até 1965.
Não foi boa a primeira impressão com que fiquei à chegada. Ainda estava dentro do Skymaster e já uns cabos, quase trintões nos vinham perguntar pelos jornais daquele dia e por tabaco do continente. Lá demos os que tínhamos comprado essa manhã no Aeroporto de Lisboa sendo a Bola os mais disputados e depressa voaram os cigarros Português Suave, High-Life,CT  e Paris que eram na altura os que mais se fumavam.
Feitas as primeiras apresentações aos cabos mais antigos como mandava a tradição e um acolhimento mais caloroso por aqueles que eram da mesma especialidade, lá seguimos para o quartel com mais uma apresentação ao 1º Sargento da Companhia, que nos destinou os “alojamentos” . E aqui foi outra desilusão. Todos os “edifícios “ eram  umas barracas metálicas que mais pareciam uns enormes bidões cortados ao meio, vendo-se em construção os primeiros alojamentos de alvenaria assim como as messes e refeitórios.
Eis que chega a surpresa. Afastado uns 50 metros do aglomerado dos alojamentos havia uma barraca que era o “Clube de Especialistas”. Pois bem pode-se dizer que essa acabou por ser durante bastantes anos a nossa casa. Desde as 6 da tarde até à meia-noite era nesse lugar onde conviviam todos os cabos, ora lendo jornais e revistas quase sempre com 15 dias  de atraso ,se jogava à sueca ou ao King, xadrez,damas e dominó. Vim a saber que o clube tinha sido obra de uns cabos especialistas que tinham trabalhado no duro, nas horas vagas e nos fins de semana para os especialistas poderem usufruir do seu Clube. E foi nesse convívio diário, durante anos que se cimentaram grandes amizades que ainda hoje perduram.
Também tive a sorte de pertencer a uma Direcção e ter contribuído juntamente com outros da feitura de uma esplanada, onde nas noites mais amenas nos juntávamos para contar anedotas, beber umas cervejas ou apenas olhar para as estrelas e recordar as namoradas e os familiares que estavam no Continente.
Por volta de 1963 com as mobilizações para África foi-se perdendo o espírito fraterno que existia e aos poucos os amigos foram-se dispersando mas fazendo sempre novas amizades com os que vinham chegando.
Todos nós tínhamos um guarda-roupa invejável. Bastava abrir um armário e ver o que nos servia para vestir nessa noite. O dono se precisasse que fosse procurar noutro lado !!!
Com o passar do tempo começaram as saídas ao Bolling , aos Clubes americanos e nos fins de semana  até Angra ou Praia da Vitória. E é desta localidade que eu guardo as melhores recordações. As tardes de praia, os bailes nas Sociedades, o café Gil, a Rua de Jesus , as touradas à corda,etc.etc.etc, tantos e tantos momentos  e que passados 50 anos tenho sempre presente como dos melhores que vivi como Cabo Especialista.
Há 10 anos fui visitar a BA4 para matar saudades. Foi terrível. Alegrei-me porque das barracas já não havia senão umas quantas em vias de extinção, mas o que me deixou uma enorme mágoa foi verificar que do Clube de Especialistas nem uma pedra restava e que no Bar de praças nada existia que dissesse aos Cabos Especialistas mais novos que naquela unidade tinha existido um Clube que lhes pertencia por herança do espírito de união que se consolidou nos anos 60. 

16/10/2011
     FC

(Agradecemos ao Especialista Fitas Custódio o texto hoje publicado, bem como a sua colaboração)

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